27 de setembro de 2023

Amigos que se vão, memórias que ficam

Às vezes a vida nos surpreende com sua brutalidade nos atingindo impiedosamente com experiências que nos desafiam a compreender o nosso papel no mundo. Antes mesmo da pandemia, eu já estava perdendo amigos para o único destino inescapável e irremediável. Eles foram parte da minha infância e adolescência, como Lee Anderson, Rosemberg Guerreiro e o Fabrício Rafael, amigos estes que compartilharam sorrisos e múltiplos momentos durante aqueles anos cheio de vida e inocência. Também havia aqueles que entraram na minha vida durante o período da adolescência, como Graciliano Trindade, que deixou suas marcas profundas nos recantos de minhas memórias (veja mais em seu tributo emocional AQUI). E, é claro, aqueles que se tornaram companheiros na minha jornada já na vida adulta, como Abraão Allmeida (MaomeAsa) que sempre foi uma pessoa a jamais negar ajuda mesmo quando ele não tinha para ele próprio. Falar deles agora é doloroso, pois quando alguém parte, parece que pedaços de nós também se desprendem e se perdem para sempre. Isso me faz perceber que a solidão se infiltra a cada despedida e que minha própria hora pode não estar tão distante quanto eu gostaria de acreditar.

Rosemberg, por exemplo, era um adversário formidável nos ringues do Street Fighter II do Super Nintendo. Mas, curiosamente, lembro-me com carinho das nossas aventuras no clássico Battle City do Nintendinho, onde os tanques eram nossos aliados e muitas vezes montávamos estratégias para chegar a vitória. Já o Fabrício foi meu colega durante toda a infância, estudamos o primário inteiro juntos, ele me considerava mais que um amigo, um irmão, e se pudesse encontra-lo novamente, diria que ele era como um irmão para mim, embora nossa jornada gamer fosse menos marcante naquela época houveram seus momentos que até hoje eu lembro como se fosse ontem. Foi só depois que abracei o emprego de cuidar de uma locadora de jogos que nossa amizade virtual floresceu. Ele frequentava o lugar, e juntos nos tornamos implacáveis policiais nas ruas do Need for Speed High Stakes, caçando os infratores que ousavam cruzar nosso caminho, quando não, apenas disputávamos o mano a mano até que o melhor fosse o vitorioso. Contudo, não estou aqui para dedicar palavras a essas almas incríveis. Um dia, reservarei postagens inteiras para homenageá-los em toda a sua glória falando também dedicadamente aos jogos que compartilhávamos junto sua gameplay.

Tenho recebido notícias ruins recentemente e, assim, venho refletido muito sobre essas memórias doces da vida e das pessoas que se foram e que teceram os fios do meu destino. Mesmo após suas partidas, essas pessoas permanecem conosco, entrelaçadas nas tramas das nossas lembranças, como se o tempo não ousasse apagá-las. É por isso que dizem que quando alguém que amamos nos deixa, eles continuam vivos em nossos corações. Minha pré-adolescência, como uma fase vibrante da minha vida, me conduzia a uma locadora peculiar, mais parecida com uma sala de estar adaptada. Ali, TV’s imponentes e videogames eram protegidos por uma barricada de madeira, como se guardados a sete chaves. Era curioso, pois naquela época, as locadoras frequentemente careciam de nomes pomposos; muitas delas eram apenas conhecidas pelo nome de seus donos. "Vamos jogar na Miguel", "Bora lá na casa do Seu Walter", "Miguel é o point para Art of Fight". Algumas delas tinham nomes, mas o apelido reinava. No entanto, a que se instalava na Passagem Pirajá ousava ter um nome próprio, "Locadora Ação Games". Ainda assim, o povo a chamava com carinho de "Locadora do Seu Walter". Hoje, meu caro leitor, vou compartilhar histórias sobre as pessoas extraordinárias que encontrei naquela época dourada da "Locadora Ação Games".

Em ordem de despedida:

Paula, carinhosamente chamada de "Paulinha", era a encarnação da atriz Andrea Beltrão, tanto em aparência quanto em atitude. Lá pelo ano de 1991, meu vício era o primeiro jogo do Sonic the Hedgehog do Mega Drive, e eu frequentava a "Ação Games" religiosamente para gastar não somente o meu tempo como o meu rico pouco dinheirinho nele. Mas eu tinha um hábito que perdura até hoje: "Cantarolar as músicas dos jogos enquanto jogo". Naquela época, isso também fazia parte da rotina, e quando meu tempo de jogo chegava ao fim, a Paulinha pedia para que eu cantasse a música da segunda fase do Sonic 1, a Marble Zone. Paulinha era casada ou vivia junto com Wilson. Ela era doce e alegre, mas, se alguém a tirasse do sério, melhor era manter distância. Ela foi a primeira a partir, e tenho certeza de que quem a recordar com sua doçura, de alguma forma, a manterá viva. A você, Paulinha, guardarei enquanto vivier a imagem da bela pessoa que você sempre foi, me entristeceu muito saber de sua partida muito antes da hora com tão pouca idade.

Ao olhar para Wilson, via o rosto do ator Haruki Hamada. Sempre imaginei que o Wilson, filho do Seu Walter e Dona Morena, tinha um guarda-roupa dominado por calças militares, o que me levava a pensar que ele era um militar de alta patente. A verdade é que não recordo muito bem sua ocupação, apenas sei que ele trabalhava no Ministério da Agricultura. Ele era casado com justamente com a Paula, a Paulinha para os íntimos. Minha memória mais marcante de Wilson é quando ele adentrou a "Ação Games" com um Super Nintendo lacrado sob o braço. As crianças se aglomeraram ao redor dele, bombardeando-o com 1001 perguntas ("Quando poderemos jogar? Quantos jogos ele tem? Quanto custa a hora?"). Wilson apenas sorria e dizia que precisava conferir se tudo estava em ordem com o console e que "talvez amanhã" ele estaria pronto para a garotada. Wilson era uma pessoa incrível, um tanto rígido como seu pai, mas sempre me cumprimentava com um sorriso largo e perguntava como eu estava. Infelizmente, o vi doente uma vez, e essa lembrança ainda me entristece profundamente, mas mesmo doente ele me olhava sorrindo como se a vida não tivesse fim para ele, e isso é o que mais me dói quando me recordo, sua partida deixou saudades e recordações incríveis.

O patriarca e proprietário da "Locadora Ação Games", o ilustre Seu Walter, era a imagem viva do talentoso ator Milton Gonçalves. Com um temperamento firme, mas uma gentileza notável, nos tratava como filhos, sempre atento ao que vinha de fora, ele tinha um desejo único: ser reconhecido como ele mesmo, não como uma mera cópia de outra pessoa. Lá pelos idos de 1990, eu me aventurava no jogo Psycho Fox, com gráficos deslumbrantes, mas uma jogabilidade intrincada que me deixa confuso até os dias de hoje. Foi Seu Walter quem me sugeriu esse desafio e sempre esteve ao meu lado, guiando-me pelas entranhas do jogo, ou ao menos assim ele acreditava. Na figura de Seu Walter, via um espírito inquebrável, pois uma vez ele caiu e, com determinação, ressurgiu das cinzas. Seu falecimento chocou a todos, pois ele era daqueles que pareciam eternos. Soube de seu falecimento através de um de seus netos, e isso já tinha ocorrido há vários anos muito depois de eu ter me afastado desse mundo de locadora. Ao senho, Seu Walter, desfiro o meu maior respeito, espero um dia poder encontra-lo pelas bandas de outras eternidades e agradecê-lo por ter paciência com um jovem tão cheio de marra como eu.

Dona Morena, a esposa de Seu Walter, era uma reminiscência encantadora da, também falecida, atriz Léa Garcia. Pequena de estatura, era um ser doce, gentil, atencioso e repleto de amor e cuidado. Ela tinha um carinho especial por mim, e quando a vi cuidando da "Ação Games", notava-se sua paciência inabalável diante das travessuras da molecada, ela era simplesmente uma pessoa que nos inspirava muito. Em um dia peculiar, aluguei o jogo Mystical Fighter (que carinhosamente chamávamos de "Kabuki") do Mega Drive da Sonic Games. Sim, aluguei de uma locadora para jogar em outra! O detalhe era que a "Ação Games" não possuía o jogo, mas a Sonic Games sim. Fechamos um acordo silencioso: eu alugava o "Kabuki" e deixava-o na "Ação Games" por um dia inteiro, e em troca, desfrutava de algumas horas com um desconto no preço por hora no Megão. Não sei se foi um bom negócio para eles, mas Dona Morena ficou profundamente grata pelo acordo. Lembro-me de ver Walber, seu filho, postando muitas fotos com ela no Facebook pouco antes de sua partida. À senhora, Dona Morena, tenho apenas uma coisa a dizer: lamento demais você não ter sido minha mãe depois que a minha verdadeira mãe se foi.

Walber, filho de Seu Walter e Dona Morena, não se assemelhava a nenhum ator que eu pudesse nomear, talvez uma versão jovem de Edson Celulari. Walber era um amigo brincalhão que nos provocava com um sorriso travesso quando nos derrotava no Street Fighter 2 do Super Nintendo, especialmente com a Chun-Li, personagem a qual sempre escolhia para surrar os marmanjos que frequentavam a Locadora Ação Games. Sempre me permitia jogar gratuitamente, em troca de minha ajuda nas tarefas da locadora, como varrer o chão, limpar as TVs ou restaurar revistas rasgadas. Lembro-me de uma vez, quando ele estava limpando uma bancada onde havia um Mega Drive, desconectou o cabo do console e o entregou a mim para que eu segurasse enquanto ele fazia a limpeza. Uma sensação mágica e reconfortante invadiu-me com aquele videogame em meu colo. Walber sempre irradiava positividade e raramente o víamos desanimado. Curiosamente, minhas lembranças são repletas de momentos compartilhados com Walber. Lembro-me de jogar exaustivamente a versão de Master System de Altered Beast, até que um dia o Walber me empolgou ao anunciar a chegada de um Mega Drive com Altered Beast na Locadora Ação Games. Em outra ocasião, ele me mostrou o cartucho do "Sonic 2 Early Prototype," uma versão inacabada do Sonic the Hedgehog 2. Joguei a Early Prototype tantas e tantas vezes que tinha o game decorado na mente, e a cada gameplay, era uma exploração mágica naquele mundo pixelado, pena o mesmo não ter um final.

Para o Walber, a vida era um presente a ser apreciado a cada momento. Soube de seu falecimento recentemente através de seu irmão Waltinho. Walbe, nem preciso dizer que sua partida deixou feridas profundas nos corações daqueles que tiveram o privilégio de conviver com você, mediante a luz que você irradiava não consigo imaginar de outra forma, eu fui um desses privilegiados, queria ter mantido mais contato, me perdoe. Você foi o melhor!

Esses amigos, essas lembranças, são eternos em minha memória. Eles não se foram de verdade; eles continuam vivos através dessas memórias e histórias que compartilhamos. Assim, enquanto jogamos nossos videogames e desfrutamos dos mundos virtuais, também lembramos dos amigos que nos acompanharam nessa jornada, mantendo viva a chama das memórias eternas. E é por isso que, mesmo com a partida deles, eles permanecem vivos em nossos corações e mentes.

Vida Longa e Próspera a estas memórias!

\\//_

6 comentários:

  1. Aos melhores, 👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼

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  2. Infelizmente as pessoas se vão um dia. Mas as boas memórias sempre permanecem com os que ficam. Foi um ótimo texto e uma bela homenagem.

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  3. Que bela homenagem. O tempo passa, perdemos amigos e nos restam apenas memórias felizes deles. Acredito que essas lembranças sejam uma forma deles continuarem vivos em nossos corações. Eu perdi um amigo muito querido em março de 2020 e o jogo que me faz lembrar dele é o Chrono Cross, pos jogávamos juntos. Quando ouço a música Radical Dreamers sempre lembro dele. Saudades do meu amigo Jason (ele fazia cosplay de Jason e eu de Freddy).

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    1. Perder amigos assim me fez pensar se eu estou mais pra lá do que pra cá

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