O início do meu artigo de hoje parecerá desconexo com a temática do blog e a proposta desta coluna, mas confiem em mim: conforme avançarem nos parágrafos tudo ficará mais claro.
Quando ingressei no programa de mestrado em Psicologia, consegui a aprovação com uma proposta de pesquisa sobre o suicídio. Porém, ao longo do primeiro ano de pesquisa, minha orientadora incentivou-me a procurar algo que fosse mais a minha cara do que isso. Lembro-me até hoje do dia em que falei as duas primeiras coisas que me ocorreram: RPGs e videogames.
Surpresa quanto a este último, ela me perguntou o que é que eu mais gostava nos jogos de videogame e qual a principal razão que me fazia jogá-los. Respondi-lhe com aquilo que, certamente, é algo comum a muitos de vocês: "eu jogo porque gosto da história".
Eu fiquei com essa resposta na cabeça durante alguns meses e a "desconstruí" conforme ia fazendo minha pesquisa sobre a experiência de se jogar videogame usando como base o memorável Phantasy Star para Master System. Contudo, enquanto fazia minha análise compreensiva, cheguei à conclusão de que a história é apenas um dos vários elementos com os quais jogamos em um game.
Isso significa que aquela defesa acalorada de que "todo game tem uma narrativa" no sentido abrangente de que "todo jogo de videogame tem uma história" é uma falácia. Nem todo jogo possui um enredo e, mesmo dentre aqueles que o possuem, muitas vezes é apenas um elemento acessório sem qualquer importância crucial na experiência.
Mesmo quando falamos de RPGs de mesa o mesmo se aplica. Alguns sistemas favorecem muito mais o enredo, contudo é muito mais fácil encontrarmos sistemas que privilegiam a mecânica de jogo (como D&D), ou que enfatizam a interpretação dos jogadores (Wraith: The Oblivion, por exemplo). Afinal, é um "jogo de interpretação de papeis"; o grau de importância do enredo varia com o narrador/mestre e do grupo que coordena.
Agora, quando falamos de RPGs eletrônicos, uma coisa interessante se revela. Ao avaliarmos games de RPG ocidentais principalmente até o início da década de 1990, o foco costumava era justamente o mesmo dos RPGs de mesa famosos: mecânica de jogo. Você criava classes de personagem e a personalidade deles era deixada em segundo plano. Quando existia, ela ficava mais clara em personagens não-controláveis (NPCs) do que naqueles do próprio jogador.
Durante o mesmo período, Phantasy Star inovou as coisas nos RPGs japoneses nesse âmbito. É verdade que Dragon Quest inventou boa parte das bases existentes até hoje nesse gênero bem característico, mas foi esse jogo da Sega que começou a enfatizar fortemente não apenas o objetivo da aventura, mas sua atmosfera e seus personagens. Portanto, com maior ênfase nos personagens (e não classes) e em tudo que os envolve além de sua missão principal, apenas aí que o enredo passou a ser realmente considerado como algo relevante.
Essa distinção entre Ocidente e Oriente nos RPGs eletrônicos começou a ficar um tanto nublada a partir dos anos 1990 com o surgimento de sistemas de RPG de mesa que valorizavam a interpretação sobre a mecânica de jogo. Além, é claro, do sucesso de Final Fantasy VII lançado para PSX. Mas isso não nos interessa muito neste momento.
O que nos cumpre entender é que o enredo pode ter seu papel de importância em um jogo e até mesmo ser a única coisa que nos faz experimentar um game até seu encerramento. Porém, isso não é verdadeiro para todos os jogos possíveis e imagináveis.
Curiosamente, coisa similar acontece com a música. Muitas vezes me perguntavam qual a razão de gostar de determinada música e eu respondia prontamente: "é por causa da letra". Mas há músicas sem letras excepcionais e, além disso, há músicas em idiomas que desconheço, que não entendo nada e que gosto mesmo assim. Podemos "brincar" com a letra de uma música tanto quanto brincamos com o enredo de um game; pode ser seu elemento principal para nós, ou apenas secundário.
O que é que eu quero dizer com isso tudo? O enredo é um elemento que pode se tornar objeto de contemplação estética para nós em algum jogo tanto quanto a música ou um cenário, mas não é a essência mesma de todo game enquanto tal.
Até a próxima postagem!
De fato Thiago,um jogo é composto de diversos recursos e nem sempre a carga literária do enredo é o que predomina.Cada jogo é um universo à parte.Em relação a música,a coisa é mais profunda ainda,porque em 3 ou 5 minutos uma canção pode mudar nosso temperamento,literalmente,muda nosso humor mesmo.Tem músicas que mexem com a gente de verdade.E não é a letra necessariamente que faz isso,mas a forma como a letra é cantada.é a emoção do artista sendo transferida para nós.
ResponderExcluirExatamente cara! Não é porque um jogo tem um enredo mais simples que ele é ruim; pode ser apenas algo que não é tão relevante assim àquele jogo em específico.
ExcluirA música é uma arte bem especial por essa razão que falou: e parece ter um alcance ainda maior que as outras artes. Sua compreensão é mais intuitiva, sei lá...
Putz, eu adorei a analogia entre música e games/enredo. Poderia afirmar que da mesma forma como gosto de música com ou sem letra, também adoro jogos com ou sem história (ou com algo bem "sem vergonha", como salvar a princesa toda vez... kkk).
ResponderExcluirCom ou sem enredo, pra mim sempre vale a diversão. Acho que essa é a essência, na minha humilde opinião. Se o enredo me diverte de alguma forma, seja qual for esta forma, pode ter certeza que vou dar atenção.
Ótimo texto!