16 de dezembro de 2015

Arte inGame: Marbule

Olá pessoal!
Não há dúvidas de que parecerei repetitivo nessa postagem. Há tantos compositores e músicas para abordar dentro desse reino maravilhoso que são os videogames, mas optei por falar mais uma vez de uma obra do Yasunori Mitsuda, assim como fiz anteriormente neste texto aqui. Porém, e isso posso garantir, a reflexão que proponho seguirá por um caminho um pouco diferente.

A música que selecionei para ouvirmos e pensarmos juntos é intitulada "Marbule" e apareceu no mais recente lançamento de Mitsuda: um disco com arranjos novos de algumas faixas de Chrono Cross e Chrono Trigger. Lembro inclusive que, quando comentei com o Yoz a respeito desse CD assim que soube de seu lançamento, não fazia ideia de qual faixa se tornaria minha predileta. E esta que escolhi certamente se destaca dentre todas as outras na minha experiência.



Como falei em outra oportunidade, as músicas desse compositor parecem ter a capacidade de soarem bem aos ouvidos até de quem nunca jogou os games em que aparecem. E essa é uma das razões pelas quais não vale a pena, a meu ver, descrever a cidade de Marbule tanto no "Mundo Original" como no "Mundo Alternativo" que visitamos em Chrono Cross.

E eu digo isso não apenas porque a música fala por si mesma aquilo que tem a dizer, mas porque as duas faixas presentes no jogo parecem dizer coisas ligeiramente diferente desta como veremos mais adiante.


Portanto, considerando a existência de três músicas diferentes sobre o mesmo lugar, que tal compararmos cada uma delas entre si? Claro que gostaria de poder fazer análises mais demoradas como as que fiz antes com vocês, mas hoje vou me deter somente em alguns de seus elementos de sentido.



A versão acima toca, claro, na cidade de Marbule no "Mundo Original" de Serge (personagem principal do jogo. Se a escutarem com atenção, percebem rapidamente que ela tem uma atmosfera medieval. Nem é preciso muito conhecimento sobre a Idade Média para sentir isso já que me parece muito evidente, principalmente em torno de 0:47 quando há a entrada da flauta. É muito fácil fácil imaginar coisas como um grupo de menestréis na praça de alguma cidade tocando seus instrumentos.

Acho muito bacana o fato da coisa toda ser um pouquinho diferente quando ouvimos a versão que toca no "Mundo Alternativo".



Neste caso não há qualquer reminiscência de músicos na praça da cidade tocando para todos os passantes. A impressão mais intuitiva é de um baile organizado, dançado em grupo e entre pessoas nobres dentro de alguma sala ampla de um castelo. Quase podemos ver os meneios de cabeça das damas aceitando o convite à dança, os passos ritmados, lentos e a troca de parceiros que pareceria mecânica ao compararmos com essa arte em nosso momento contemporâneo.


E aqui percebemos algo que julgo um dos maiores méritos de Chrono Cross: mostrar coisas completamente diferentes com suas músicas, mesmo que estas tenham uma mesma base sobre a qual foram construídas. Nenhuma música de cidades e localidades que podem ser acessados em ambos os mundos soa igual, embora derivem da mesma coisa. E analogamente o lugar em questão também mostra a si mesmo como diferente ao mesmo tempo que familiar. 

O caso de Marbule que tratamos aqui é bem descritivo porque ao mesmo tempo que ambas estabelecem uma atmosfera medieval e racional, os ambientes em que ocorrem têm suas nuances: um ligeiramente mais livre e outro mais organizado. Ambas belas, claro, à sua maneira, mas cheias de sentido em si mesmas e naquilo que nos comunicam como espectadores (já que tratamos aqui da música "fora do jogo"), mas também compondo toda a atmosfera das localidades para nós enquanto jogadores.

Agora ouçam essa versão logo abaixo e pensem consigo mesmos: o que afinal de contas ela nos diz? Há algo diferente em relação às duas anteriores?

Tal qual as duas versões de Marbule presentes efetivamente em Chrono Cross, o novo arranjo também possui uma característica medieval acentuada. Mas ainda assim ela parece um pouco destoante delas. Por que isso acontece? Ela não apresenta a característica de espaço público e espaço privado como nos casos anteriores?

Nesse arranjo, Mitsuda fez em seu novo arranjo algo que poderíamos chamar de mágico: ele realmente foi capaz de reunir ambas as músicas compostas anteriormente em uma única faixa. Tudo que ela expressa manifesta uma dualidade mista daquilo que descrevemos acima. 

Mas não pensem que se trata de uma mistura simplista em que ambas as versões foram sobrepostas de alguma maneira. Ele fez algo muito mais profundo que isso.

A princípio conseguimos imaginar um salão de festas onde a dança está prestes a começar. Quando os outros instrumentistas começam a fazer sua parte e adornam ainda mais belamente a música iniciada em acordeão, conseguimos relembrar daqueles mesmos menestréis de que falamos anteriormente. Todavia, poucos compassos depois já podemos visualizar claramente que não estão simplesmente tocando numa praça: estão tocando em uma festa!

E que festa essa música se torna conforme as coisas avançam e contemplamos a entrada da flauta e da bateria em seguida!

Mitsuda uniu a praça pública com a dança privativa e gerou uma música de festa. E o que é a festa? Segundo o filósofo alemão Gadamer, a festa (uma das características de toda arte) consiste essencialmente na reunião que ela promove entre as pessoas em torno de algo comum a todos os seus participantes. Festas religiosas como o Natal, por exemplo, são ideias para entender o que ele diz pois congregam pessoas que compartilham da mesma crença em torno de uma lembrança ou evento específico.

Com a arte a mesma coisa acontece: os espectadores se reúnem em torno de uma obra que apreciam e/ou que contemplam naquele momento. E nessa faixa de Marbule é a própria música que parece reunir todos nessa festa. Uma festividade que origina dança medieval claramente organizada, mas mais alegre e com participação de todos sem distinção. Talvez a maior dose de influência céltica nessa versão colabore para essa impressão também inclusive.

O próprio encerramento abrupto da música parece mesmo com o final de uma festa: é como se nada mais precisasse ser dito a respeito daquilo que originou a festividade.

Podemos nos sentir bem-vindos ao mundo musical de Mitsuda com essa faixa e alegres por podermos sentir a música nos mover profundamente. Ela realizou essa proeza tão intensamente em mim que após ouvi-la algumas poucas vezes, eu simplesmente tive que escrever uma história a respeito. Há muito tempo que não escrevia um conto assim tão rápido e com pouca necessidade de revisão. Podem conferir o conto "Salão de Baile" derivado dessa música inspiradora seguindo este link aqui.

Essa é uma Marbule que Serge não pôde contemplar, apenas nós, "meros mortais" fomos agraciados com essa bênção. Portanto, aproveitem!

Até a próxima postagem!

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