22 de dezembro de 2015

Arte inGame: de sapiens a ludens

Olá pessoal!
Alguns dias atrás, certamente uma das notícias que mais mobilizaram os gamers certamente foi a de que Hideo Kojima firmou um acordo com a Sony. Muitas das notícias falavam até mesmo de oportunidades de emprego. Curioso, resolvi entrar pela primeira vez no site da Kojima Productions e uma coisa lá me permitiu dar um sorriso de orelha a orelha.




Não, não foi uma vaga de emprego a qual eu pudesse me candidatar, mas algo que provavelmente passou despercebido por muita gente. Pelo menos não vi nenhum artigo em português, inglês, francês, espanhol ou japonês falando disso enquanto escrevia este texto.

Ao rodarem a tela para baixo, depois do slogan (que reproduzi no título deste artigo) e da logomarca do estúdio, vocês se depararão com uma "Mensagem". Apesar do título estar em inglês, a tal mensagem está em japonês. Comecei a ler e logo a primeira frase que me fez sorrir: "Nós somos homo ludens (pessoas que jogam)."

"Por que gostou tanto dessa frase? Não tem nada de mais nela" vocês poderiam me perguntar. A resposta é muito simples. Isso é tirado diretamente de um autor que é o fundamento de boa parte de tudo que falo aqui nesta minha querida coluna no Gamer Desconstrutor, que falei no Gagá Games na "Academia Gamer", que defendi em minha dissertação de mestrado sobre Phantasy Star e que ainda vou falar bastante em todo lugar. 

Esse autor é o pesquisador holandês Johan Huizinga. Além de ter textos interessantíssimos a respeito da Idade Média, ele publicou um livrinho famoso chamado "homo ludens" em que descreve o jogo (ou a brincadeira) como um elemento fundamental da cultura (e não apenas na cultura).


Diz ele, por exemplo, que a própria civilização humana possui sua raiz no jogo. E, justamente por essa razão, não somos apenas homo sapiens (capazes de usar o raciocínio) e nem mesmo apenas homo faber (capazes de fabricar coisas), mas também (e talvez principalmente) homo ludens.

E por essa característica fundamental, tudo que existe na cultura possui uma origem lúdica. A ciência, o direito e, o que nos interessa aqui em particular, também as artes. 

Assim como as pesquisas de Huizinga apontaram para essa sua conclusão a respeito da relação entre jogo e cultura, as minhas têm me mostrado exatamente a mesma coisa com relação às artes (especialmente a literatura) e aos videogames, uma das várias espécies de jogos que construímos ao longo de nossa civilização.

O pequeno texto no site da Kojima Productions trata um pouco dessas coisas e decidi traduzi-los para vocês. Utilizei como base a versão em inglês que colocaram abaixo da original em japonês. Fiz isso para poder ser mais rápido. Contudo, voltei à versão em japonês algumas vezes para verificar o sentido preciso da tradução e adequar conforme o necessário. Quem lê inglês pode questionar algumas das escolhas que fiz, mas ficarei feliz em explicar as razões caso perguntem. Nada do que escolhi traduzir da maneira que o fiz foi arbitrário.


Antes desta tradução, só queria fazer uma sugestão a vocês nesse final de ano: joguem Policenauts. Melhor game dirigido pelo Kojima até hoje na minha opinião.

Feliz Natal, bom ano novo e nos vemos no ano que vem por aqui!

Tradução da mensagem da Kojima Productions:

Nós somos homo ludens (seres que jogam).

A partir do momento em que entramos neste mundo, instintivamente inventamos meios de termos "diversão" e compartilhamos nossas invenções com aqueles ao nosso redor. Não nos pedem que façamos isso, nem precisamos de razões para criar. Isso é simplesmente o que nós somos.

Encontramo-nos um com o outro e competimos entre nós mesmos. Rimos juntos e choramos juntos; tudo enquanto jogamos juntos. Nossas experiências nos ligam e nos libertam. Para compartilhar nossas mais valiosas experiências, criamos histórias, construímos ferramentas e evoluímos a arte do jogo. O jogo tem sido nosso aliado desde o alvorecer da civilização.

"Jogar" não é simplesmente um passatempo, [mas] é o fundamento primordial de imaginação e criação. Verdade seja dita, homo ludens (seres que jogam) são simultaneamente homo faber (seres que fabricam).

Mesmo que da terra a vida fosse extirpada e reduzida a um deserto infértil, nossa imaginação e desejo de criar sobreviveria - além de sobreviver, proveria esperança de que flores podem um dia florescer novamente. Através da invenção do jogo, nossa nova evolução aguarda.

Kojima Productions - nós somos homo ludens. Nós somos seres que jogam.

Hideo Kojima.

8 comentários:

  1. Lembrei daquelas imagens de bebês tigres ou cachorrinhos que brincam, "brigando" entre eles, e de certa forma, estão treinando para os combates para a vida adulta.É interessante isso, provavelmente o ato de jogar seja algo inato, e comum a todos os mamíferos.

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    1. Para o Huizinga, o jogo é realmente percebido também em outros animais (mas ele usa exemplos de mamíferos para ilustrar). Mas ele aponta que nem sempre esse "instinto" de jogo serve para nos preparar a algo na idade adulta: jogamos porque é divertido, simplesmente.

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  2. Caramba! Que texto incrível! Eu não sabia que existia esse livro, e esse pensamento do Kojima só me faz confirmar uma coisa: Óbvio que não todos, mas existem criadores de jogos que se entregam de corpo e alma no que faz ao ponto de considerar sua função mais do que um ganha-pão, mas uma manifestação de arte e expressão de um sonho.
    Incrível!

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    1. Sim, com certeza! Quem cria um jogo quer envolver seus jogadores e diverti-los. :-) Ou ao menos deveria ser assim, né? hahahaha

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  3. Nossa que incrivel Thiago, ótimo texto! Gostei muito, bem observado esta questão sobre homo ludens. Ótimo texto, como sempre! ^^

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  4. E as mulheres ludens? Como ficam? A presidenta quer saber...
    Palhaçadas a parte, gostei do texto do tio Kojima e sua equipe. De fato a gente sempre tá inventando e criando coisas mirabolantes na nossa imaginação, só acho uma pena que com o tempo parece que a gente meio que perde isso. Não sei explicar, mas quando era mais novo eu parecia mais "inventivo" na questão de jogos (físicos, não digitais).
    Num passado recente houve uma mudança de residência da minha família e precisei resgatar ou jogar fora algumas coisas que ficaram por lá. Encontrei pelo menos uns 3 blocos de folhas com jogos que inventei ou "extensões" de jogos já existentes (basicamente "fases" e personagens adicionais de Hero Quest). Nunca soube explicar o porque de ter perdido isso, e imagino que deve acontecer com uma alta porcentagem da sociedade. Gostaria muito de entender isso um dia.
    Sei que se estivesse em um deserto infértil, como mencionado no texto, não sei se teria ideias similares às da época de criança/adolescente ou melhores. Mas pelo menos tentaria em algum momento, então o texto pra mim fez todo sentido.
    Sobre Policenauts, não saiu somente em japonês? (confesso não ter pesquisado antes de perguntar)
    Excelente texto, como sempre!

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    1. hahahahahaha Ótima pergunta! XD hehehe

      Eu acho que essa mudança acontece porque a criança não tantas outras coisas a fazer além de brincar/jogar. Adultos, acabamos jogando ou criando "o que dá" já que temos que trabalhar, pagar contas e por aí vai. Não é uma teoria que explique essa mudança que passamos, mas é uma hipótese pelo menos. hahahahaha

      O importante, como falou, é saber que podemos sempre tentar. Só não podemos deixar essa fagulha morrer para sempre. :-)

      Policenauts quase saiu no Ocidente em sua versão para Sega Saturn (até capa tinha hehehe), mas não rolou infelizmente. Há alguns anos fãs traduziram para o inglês a versão de PSX. E ficou impecável! Até elementos de cenário eles arrumaram e tal. Recomendo bastante! Quando postava no Gagá Games, fiz uma resenha dele até. É sem spoilers e, se quiser ler, segue o link: http://www.gagagames.com.br/?p=21374

      Valeu mesmo pela força! Fico contente que esteja gostando. ^_^

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